terça-feira, 20 de setembro de 2011

Os vândalos (Nos Tumultos de Maputo)

por: Ana Beatriz Morais
13 de Setembro de 2010




O presente documento resulta de reflexões á volta dos tumultos que tiveram lugar em Maputo, nos dias 01 e 02 de Setembro de 2010, provocados pelo aumento dos preços de recursos básicos á subsistência dos moçambicanos, numa perspectiva psicológica do fenómeno.




Nos primeiros dias do mês de Setembro de 2010, as províncias Cidade de Maputo e Matola tiveram experiencias assustadoras por causa dos comportamentos de uma multidão que, em protesto contra a subida de preços incendiou estradas, saqueou lojas e amotinou ruas gerando pânico e insegurança.
Como forma de controlar a situação e proteger os bens públicos e privados, a polícia foi chamada a intervir, aumentando no entanto a fúria da população. Era caos a que muitos cidadãos apelidaram de vandalismo, e de “vândalos” chamaram as pessoas envolvidas nos motins.



Vandalismo é definido por Levy-Leboyer (2001; p:768) como o comportamento agressivo contra o meio físico com intuito de destruí-lo, desfigurá-lo ou impedir o seu funcionamento que pode ter motivações. Com base no argumento deste autor, podermos arriscar-nos a concordar com afirmação do ministro de interior que classificou os actos experienciados como vandalismo.

Levy-Leboyer salienta diferentes motivações que, através dos canais de televisão foi possível observar, nos motins de 01 e 02 de Setembro:  
a)      Vandalismo lúdico – a presença nas imagens de crianças que se divertiam a atirar pedras e queimar pneus nas estradas em plena actividade lúdica, pode-se remeter a este grupo de motivações, cuja intenção central não é destruir mas sim divertir-se;
      b)      Vandalismo simbólico ou ideológico – a destruição de imagens com a figura do presidente da república, o ataque às bombas de gasolina e às padarias que representam um sistema responsável pelo aumento do custo de vida;
      c)      Vandalismo de sabotagem – com intenção de tornar impossível o transporte de bens e pessoas pelos servidores ou a deslocação rodoviária de profissionais aos seus locais de trabalho, a multidão fez barricadas nas estradas e amotinou-se nas estações de transporte semicolectivo;
      d)     Vandalismo de aquisição – algumas lojas e armazéns foram destruídos e seus produtos (sobretudo alimentares) foram saqueados para posterior venda a populares por preços inferiores.

Levy-Leboyer destaca também no conceito de vandalismo, o termo agressividade, verificado no comportamento da população de Maputo envolvida na revolta, que sendo na sua génese uma manifestação que visava a redução da carestia de vida, a criação de bem-estar e maior satisfação colectiva produz justamente o resultado contrario, razão pela qual Moser (2001) a classifica como destrutiva ou maligna. Moser recupera o conceito de agressividade da psicanálise que distingue a agressividade maligna da benigna, manifesta através da competição e da criatividade, e salienta a sua importância crescente no processo de desenvolvimento individual.

A multidão não gostou de ser rotulada de vândala até porque no seu dia-a-dia, a maioria das pessoas que destruíram bombas de gasolina, queimaram carros, amotinaram estradas, saquearam lojas, agrediram cidadãos que se faziam aos seus locais de trabalho, são cidadãos pacatos que se afastam sempre que podem, de confusões. Como então se justifica o seu comportamento? Como resposta, citaremos Gleitman (2002; p: 649):

“Não há dúvidas de que, em certas circunstâncias, as pessoas em multidões comportam-se diferentemente de como se comportariam sós. Nos motins ou nos casos em que a multidão pretende fazer justiça pelas próprias mãos, as pessoas podem tornar-se agressivas a um nível bestial de violência que seria inconcebível se agissem isoladamente.”

Para explicar o comportamento do indivíduo em grupo, Gleitman apresenta duas abordagens contrastantes sendo que uma centra-se nos factores emocionais e defende que a multidão transforma o indivíduo tão completamente que ele perde a sua individualidade e se torna irracional. Nesta perspectiva, defende que o sujeito, pressionado pela subida dos preços, os sentimentos de impotência, a insegurança e o medo gerados pela situação, perde as suas capacidades de contenção, contaminado pelas emoções, permite a emergência de impulsos primitivos que habitualmente se encontram reprimidos e pratica actos com consequências desastrosas.

A outra, baseada nos aspectos cognitivos, defende que o comportamento da multidão pode ser explicado em função da avaliação cognitiva que o indivíduo realiza da situação total. Ora, o sujeito, por acreditar que a insatisfação é geral, e are num processo de modelagem onde reproduz um modelo, estimulado pela fúria geral da população que se sentia desrespeitada pelo governo, está certo de que o seu comportamento agressivo – partir o vidro da bomba de combustível, saquear produtos de um armazém ou queimar pneus na estrada — será visto pelo grupo como coerente com o momento e o sentimento geral e assim empreende esforços para materializar as suas ideias num processo que acaba por ter resultados inesperados.

Avaliar o comportamento agressivo das pessoas envolvidas na tumultuosa experiência que tivemos no inicio de Setembro e classificá-lo como vandalismo reveste-se de uma responsabilidade grande até porque se incorre ao risco de rotular e ferir sensibilidades devido a força que os rótulos têm numa perspectiva longitudinal. No entanto, é um aspecto com o qual, baseado nos conceitos trazidos anteriormente, concordarmos. E concordamos na medida em que houve vítimas, prejuízo, danos morais e materiais mesmo que este não pareça ser o tipo de situação a que possamos chamar de ataque intencional com o fim único de prejudicar pois, em princípio, tratava-se de uma agressão instrumental com o objectivo era fazer com que o governo repensasse as suas estratégias de manter o país economicamente estável ou seja, tratava-se de um meio possível encontrado pela comunidade de Maputo para reivindicar o alto custo de vida.

Acreditamos na hipótese que postula haver uma relação significativa entre a frustração – o sentimento de impotência e/ou insegurança para resolução das necessidades básicas próprias e da família, motivado pela subida vertiginosa de preços justificada por múltiplos factores no contexto da economia nacional e global — e a agressão, vista como uma consequência lógica da frustração. Esta abordagem defende que, qualquer comportamento agressivo do sujeito representa uma tentativa do sujeito afastar tudo o que o impede de atingir os objectivos que fixou, sendo que, no caso vertente, é a missão fundamental de qualquer cidadão adulto de sustentar a sua família. Isso parece justificar a conduta dos cidadãos e o facto de ter havido antecedentes e sinais com os que o Governo poderia usar para antecipar e evitar que se chegasse a tal nível, reforça tal posição. Mas não podemos deixar de ter em conta que, ainda crianças somos ensinadas a adiar a satisfação das nossas necessidades urgentes em virtude de um bem maior, como forma de aprendermos a tolerar mais a nossa frustração. Mas isso é outro debate.

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