13 de Setembro de 2010
O presente documento resulta de reflexões á volta dos tumultos que
tiveram lugar em Maputo, nos dias 01 e 02 de Setembro de 2010, provocados
pelo aumento dos preços de recursos básicos á subsistência dos moçambicanos,
numa perspectiva psicológica do fenómeno.
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Nos primeiros dias do mês de Setembro de
2010, as províncias Cidade de Maputo e Matola tiveram experiencias assustadoras
por causa dos comportamentos de uma multidão que, em protesto contra a subida
de preços incendiou estradas, saqueou lojas e amotinou ruas gerando pânico e
insegurança.
Como forma de controlar a situação e proteger os bens públicos e
privados, a polícia foi chamada a intervir, aumentando no entanto a fúria da
população. Era caos a que muitos cidadãos apelidaram de vandalismo, e de
“vândalos” chamaram as pessoas envolvidas nos motins.
Vandalismo é definido por Levy-Leboyer
(2001; p:768) como o comportamento agressivo contra o meio físico com intuito
de destruí-lo, desfigurá-lo ou impedir o seu funcionamento que pode ter
motivações. Com base no argumento deste autor, podermos arriscar-nos a
concordar com afirmação do ministro de interior que classificou os actos experienciados
como vandalismo.
Levy-Leboyer salienta diferentes
motivações que, através dos canais de televisão foi possível observar, nos
motins de 01 e 02 de Setembro:
a)
Vandalismo lúdico – a presença nas
imagens de crianças que se divertiam a atirar pedras e queimar pneus nas estradas
em plena actividade lúdica, pode-se remeter a este grupo de motivações, cuja
intenção central não é destruir mas sim divertir-se;
b)
Vandalismo simbólico ou ideológico – a
destruição de imagens com a figura do presidente da república, o ataque às
bombas de gasolina e às padarias que representam um sistema responsável pelo
aumento do custo de vida;
c)
Vandalismo de sabotagem – com intenção
de tornar impossível o transporte de bens e pessoas pelos servidores ou a
deslocação rodoviária de profissionais aos seus locais de trabalho, a multidão
fez barricadas nas estradas e amotinou-se nas estações de transporte semicolectivo;
d)
Vandalismo de aquisição – algumas lojas e
armazéns foram destruídos e seus produtos (sobretudo alimentares) foram
saqueados para posterior venda a populares por preços inferiores.
Levy-Leboyer destaca também no conceito
de vandalismo, o termo agressividade, verificado no comportamento da população
de Maputo envolvida na revolta, que sendo na sua génese uma manifestação que
visava a redução da carestia de vida, a criação de bem-estar e maior satisfação
colectiva produz justamente o resultado contrario, razão pela qual Moser (2001)
a classifica como destrutiva ou maligna. Moser recupera o conceito de
agressividade da psicanálise que distingue a agressividade maligna da benigna,
manifesta através da competição e da criatividade, e salienta a sua importância
crescente no processo de desenvolvimento individual.
A multidão não gostou de ser rotulada de
vândala até porque no seu dia-a-dia, a maioria das pessoas que destruíram
bombas de gasolina, queimaram carros, amotinaram estradas, saquearam lojas,
agrediram cidadãos que se faziam aos seus locais de trabalho, são cidadãos
pacatos que se afastam sempre que podem, de confusões. Como então se justifica
o seu comportamento? Como resposta, citaremos Gleitman (2002; p: 649):
“Não
há dúvidas de que, em certas circunstâncias, as pessoas em multidões
comportam-se diferentemente de como se comportariam sós. Nos motins ou nos
casos em que a multidão pretende fazer justiça pelas próprias mãos, as pessoas
podem tornar-se agressivas a um nível bestial de violência que seria
inconcebível se agissem isoladamente.”
Para explicar o comportamento do indivíduo
em grupo, Gleitman apresenta duas abordagens contrastantes sendo que uma
centra-se nos factores emocionais e defende que a multidão transforma o indivíduo
tão completamente que ele perde a sua individualidade e se torna irracional.
Nesta perspectiva, defende que o sujeito, pressionado pela subida dos preços,
os sentimentos de impotência, a insegurança e o medo gerados pela situação,
perde as suas capacidades de contenção, contaminado pelas emoções, permite a
emergência de impulsos primitivos que habitualmente se encontram reprimidos e pratica
actos com consequências desastrosas.
A outra, baseada nos aspectos
cognitivos, defende que o comportamento da multidão pode ser explicado em
função da avaliação cognitiva que o indivíduo realiza da situação total. Ora, o
sujeito, por acreditar que a insatisfação é geral, e are num processo de
modelagem onde reproduz um modelo, estimulado pela fúria geral da população que
se sentia desrespeitada pelo governo, está certo de que o seu comportamento agressivo
– partir o vidro da bomba de combustível, saquear produtos de um armazém ou
queimar pneus na estrada — será visto pelo grupo como coerente com o momento e
o sentimento geral e assim empreende esforços para materializar as suas ideias
num processo que acaba por ter resultados inesperados.
Avaliar o comportamento agressivo das
pessoas envolvidas na tumultuosa experiência que tivemos no inicio de Setembro
e classificá-lo como vandalismo reveste-se de uma responsabilidade grande até
porque se incorre ao risco de rotular e ferir sensibilidades devido a força que
os rótulos têm numa perspectiva longitudinal. No entanto, é um aspecto com o
qual, baseado nos conceitos trazidos anteriormente, concordarmos. E concordamos
na medida em que houve vítimas, prejuízo, danos morais e materiais mesmo que
este não pareça ser o tipo de situação a que possamos chamar de ataque
intencional com o fim único de prejudicar pois, em princípio, tratava-se de uma
agressão instrumental com o objectivo era fazer com que o governo repensasse as
suas estratégias de manter o país economicamente estável ou seja, tratava-se de
um meio possível encontrado pela comunidade de Maputo para reivindicar o alto
custo de vida.
Acreditamos na hipótese que postula
haver uma relação significativa entre a frustração – o sentimento de impotência
e/ou insegurança para resolução das necessidades básicas próprias e da família,
motivado pela subida vertiginosa de preços justificada por múltiplos factores
no contexto da economia nacional e global — e a agressão, vista como uma
consequência lógica da frustração. Esta abordagem defende que, qualquer
comportamento agressivo do sujeito representa uma tentativa do sujeito afastar
tudo o que o impede de atingir os objectivos que fixou, sendo que, no caso
vertente, é a missão fundamental de qualquer cidadão adulto de sustentar a sua
família. Isso parece justificar a conduta dos cidadãos e o facto de ter havido antecedentes
e sinais com os que o Governo poderia usar para antecipar e evitar que se
chegasse a tal nível, reforça tal posição. Mas não podemos deixar de ter em
conta que, ainda crianças somos ensinadas a adiar a satisfação das nossas
necessidades urgentes em virtude de um bem maior, como forma de aprendermos a
tolerar mais a nossa frustração. Mas isso é outro debate.
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