terça-feira, 9 de agosto de 2011

Reflexões sobre o comportamento desviante

por: *Rómulo Muthemba

Começam a ser frequentes as notícias veiculadas pelos nossos órgãos de informação que de uma forma directa ou indirecta colocam em evidência uma realidade “perplexa” – a agressividade, violência perpetrada por seres humanos. O fenómeno não é novo, mas conhecido desde que a humanidade existe e se relaciona.
Essa realidade talvez não tivesse a dimensão que têm se os principais protagonista não incluissem sujeitos tidos como “perturbados mentais, com problemas mentais, etc” – a terminologia popular é fértil em atribuições.
Alguns Exemplos:
“doente mental mata criança na ponta vermelha...”(jornal domingo, 2002),
“...sujeito com perturbação mental corta o pescoço do pai...”(noticiário, STV, novembro 2009...”
“doente mental aterroriza crianças nas emediações da escola...”(jornal SAVANA, 2004),
A questão de fundo é fundamentalmente, perceber o conceito de perturbação mental e do comportamento.
Preferimos a palavra perturbação ou disfunção para não nos centrarmos na “doença” entanto que tal.
Há sujeitos que sofrem, não porque têm uma doença típica e “clássica”, mas porque existem aspectos subjectivos difícieis de tratar e que participam directa ou indirectamente na economia psíquica alterando, perturbando ou/e tranformando a sua relação com ele própio e com o mundo – esta é a essência da perturbação mental e/ou do comportamento.
A agressividade é normal, adaptativa se usada como meio de defesa do eu contra a ameaça exterior. A etologia explica –nos que todo o ser Animal – e nós não fugimos dessa condição, mesmo que tenhamos alguma inteligência e organização superior, precisamos de alguma agressividade que mobilizamos para nos defendermos, para lutarmos, portanto está ao serviço da sobrevivência. O modo adaptativo como mobilizamos essa mesma agressividade é um dos mecanismos fundamentais do funcionamento mental e que testemunha a saúde ou/e doença.
Já nos sinalisava Freud que o princípio da realidade está muito alicerçada na capacidade do ego funcionar em sintonia com o mundo externo. Na interiorização de alimentos que servirão para dar consistência ao psiquismo do sujeito. Ora, a violência está muito vinculada ao princípio do prazer – ao id – estruturas primitivas e primárias que atravessam a barreira de contacto (àquela que delimita o interno/externo, dentro e fora, sujeito e objecto).
A experiência ao nível da saúde mental permite-nos afirmar que quanto mais serenos, estáveis (o que pode significar estabilidade interna, paz e homeostase), “agredimos menos”.
A nossa convivência com os perigos ou ameaças vindas do interior “id” e, mesmo as suscitadas pelo mundo externo tornam-se menos conflituosos se tivermos uma boa estrutura de suporte, um funcionamento adaptado com defesas flexíveis – a sublimação por exemplo.
Estabilidade deve significar “uma verdadeira tranquilidada psicológica” que advém da maturidade psíquica, da capacidade do ego estar em sintonia com o mundo exterior, mas com a elasticidade para fazer os “arranjos necessários para que o sujeito viva e não “apenas” sobreviva...num caos constante.
Dissemos que sujeitos com baixa auto-estima (com poucos alimentos internos), com fraca resistência à frustração são por sinal menos tolerantes, mais impulsivos, explosivos e com grande propensão para a agressão.
Voltamos a referir uma “outra” frase que se enquadra perfeitamente no que pretendemos deixar ficar: “a agressão é de facto um refúgio para o incompetente” e, talvez: “a forma mais rudimentar de resolução de problemas e tensões internas”.
Olhar para a agressão como sintoma é fundamental – ela é de facto o produto de uma constelação de elementos desadaptativos quer do ponto de vista social, cultural, espiritual mas também pessoais e de saúde física e mental.
Na patologia mental, no entanto a fraca capacidade de visualizar e entender o mundo de forma lúcida e tranquila também traz “desencantos e desenlances” que podem levar a violência.
Não poderemos substimar os fundamentos orgânicos ou biológicos da violência: em alguns tipos de epilepsia o sujeito é traído pelas descargas neuronais repentinas e sem controle que afectam e alteram o comportamento. Os movimentos do sujeitos podem ser desordenados, descontrolados e extremamente agressivos, acaretando o risco de matar, ferir o próximo ou a sí própio.
Mesmo que se acredite que existam comportamentos biologicamente determinados, julgamos que para o gene da agressão não teria por onde crescer se não encontrasse terreno propício para o seu desenvolvimento.
Por exemplo: Como sobreviveria o gene do alcoolismo onde não há álcool?
Devemos fazer uma destrinça entre perturbações neuro-psiquiátricas, ou mesmo psiquiátricas que alteram significativamente a capacidade de julgamento, fazendo com que o sujeito agrida, viole ou mate e, outras de cariz neurótica e social-cultural.
O doente psicótico – pode seguir uma voz de comando durante uma alucinação auditiva que o leva a agredir e até matar. Mas também pode defender-se de um agressor durante um episódio delirante ou alucinatório. Sujeitos esquizofrénicos descompensados fazem parte deste grupo.
Sabemos que sujeitos com fraca capacidade intelectual como por exemplo sujeitos com atraso de desenvolvimento, atraso mental e debilidade mental severa têm muito fraca capacidade crítica e pela natureza do funcionamento psicológico, biológico, são facilmente manipuláveis ou/e sugestionáveis. Assim, cometem muitos crimes “encomendados”, pois a capacidade de discernimento do bem e do mal encontra-se profundamente afectada.
Alguns subtipos da perturbação do controle dos impulsos constituem também fontes de perigo. Trata-se de sujeitos que até podem funcionar perfeitamente e harmonicamente em todas as outras áreas, mas que têm falhas do ponto de vista de controle dos impulsos – o transtorno explosivo intermitente é apenas um exemplo.
As personalidades antissociais são das mais enigmáticas pela natureza dos crimes que cometem contra outros seres humanos, devido a natureza do seu funcionamento – manipuladores, sádicos, e às vezes sedutores usam o encanto, a manipulação e a agressão como forma de atingirem a satisfação interior... estes são “especializados e exímios na agressão físíca e psicológica”. Alguns subtipos da personalidade anti-social, vulgo psicopatia incluem os agressores sexuais seriais.
Sujeitos com perturbação qualitativa da sexualidade (pedofilia, etc...) cometem crimes sexuais contra crianças e também vítimas adultas. A pedofilia é das perturbações mais inquietantes e com grandes repercurssões na opinião pública e social e, deveria constituir um motivo de preocupação clínica....quer na prevenção, mas também na atenção à vítima e porque não na reabilitação dos agressores?
O violador sexual do tipo pedófilo, têm uma apetência sexual por crianças pré-púberes. Do ponto de vista de saúde mental as deficiências no desenvolvimento psicosexual são nítidas. O sujeito têm um déficit no crescimento psicossexual e têm dificuldades ao nível da sexualidade adulta - envolver-se e sentir satisfação com sujeitos adultos e com sexualidade já evoluída – aqui o desafio está perdido, então – toca a procura de alternativas não ameaçadoras para a sua integridade psicológica e sexual.
Outros são os violadores-vítimas, àqueles que perpetuam o ciclo vicioso. Uma vez agredidos, tornam-se potenciais agressores num movimento de condicionamento psicológico impressionante. Trata-se da “famosa” transmissão transgeracional da agressividade e da maldade”.
O Consumo abusivo de álcool e outras substâncias é um problema sério em saúde mental. Para além das várias nuances destas práticas, está provado que aumentam o risco de violência. Estudos realizados em contextos ocidentais revelam que é significativo o número de sujeitos que cometem crimes de agressão e violência devido ao consumo de álcool e outras substâncias. Está provado que o consumo de álcool e outras substâncias psicoactivas aumentam a impulsividade e passagem ao acto. Não são certamente o cerne da problemática, mas emprestam o necessário estímulo para a passagem ao acto.
A banalização da violência é tremenda num País que teve uma sequência de guerras: colonial de 10 anos e a de 16 anos após a independência, onde se noticiava-presenciava carros queimados, fuzilamentos, etc... actualmente, os média relatam casos de linchamentos sem o devido cuidado. Alías, os linchamentos passaram a ser assistidos por crianças que participam no acto com alguma legitimidade.... assim comprometemos seriamente a possibilidade de dietrinça entre o bom e o mau, as fronteiras da imaginação e da realidade.
Por estes e outros motivos, a nossa responsabilidade como profissionais da saúde mental está naturalmente colocada a prova.

*Psicólogo Clínico
Fevereiro de 2008

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