quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A Maternidade posta à prova na Adolescência: O confronto - bebé imaginário e o bebé Real( parte 2 de 3)




Parte II: O confronto -  bebé imaginário e o bebé Real

por: *Rómulo Muthemba

Do ponto de vista cultural, o aparecimento de um bebé, abre perspectivas na família e sociedade. É um momento de esperança e carregado de simbolismo, o que influencia o estado emocional dos pais, escoltando o sentimento de criação e de pertença. A questão é que nem sempre temos o bebé sonhado, mas sim o bebé real que vem ao mundo com uma doença – uma situação de risco que põe à prova os vários intervenientes pais, bebé, família, instituições de saúde e os técnicos. Mas também, o bebé  não desejado já tem um significado negativo, acarreta problemas de índole socio-cultural e até económico.


Educar uma criança com atraso mental, como trissomia 21, ou com autismo infantil constitui um desafio para os pais, que têm que lidar com  o facto de lhes ter nascido uma criança com aspecto diferente, que se comporta de forma diferente das outras crianças da mesma idade, com manifestações como: ausência de atenção, de comunicação e de linguagem, dificultando a gratificação e/ou entusiasmo dos pais, o que pode significar muito sofrimento e, problemas conjugais se não enfrentados de forma efectiva e integrada (bio-psico-socio-espiritual).

Com a chegada do bebé, há uma necessidade de confirmação do bebé imaginário. Esta fase é crucial para que os pais se adaptem ao bebé real – longe do imaginário criado. Esta capacidade de adaptação põe a prova as competências adaptativas, maturidade psicológica e relacional do casal parental adolescente. O bebé real é o bebé presente e não àquele sonhado ou imaginado. O sucesso da adaptação ao bebé real que aparece com síndrome de down, deficiências neurológicas ou cardíacas, etc., depende em muito da capacidade e maturidade do casal parental, estádio socio-afectivo e relacional e espaço para trabalhar os próprios conflitos internos, a depressão e sentimentos de revolta, falha, injustiça.
Atenção, falámos de casal parental e desviamo-nos do essencial: um número significativo de mulheres adolescentes(embora não tenhamos feito nenhum trabalho de pesquisa quantitativa) que se cruza connosco nas consultas de saúde mental, não têm suporte por parte da família, os pais das crianças são ausentes (no verdadeiro sentido). São jovens adolescentes que sofrem, mesmo com uma criança saudável do ponto de vista físico - Os riscos, são os mesmos.

O risco adaptativo deve ser enfrentado a dois – em primeiro lugar, mas com a escolta do núcleo familiar e suporte social. Julgamos que o primeiro risco de uma gravidez na adolescência “é que seja tomada como sendo da mulher (em vez do casal). E neste aspecto estamos de acordo com  Eduardo Sá quando afirma que um dos piores riscos assenta na vivência da gravidez como se fosse uma “circunstância obstétrica (mais do que uma transformação da maternalidade em maternidade)” (2001. P. 131).
Um dos maiores riscos assenta precisamente no facto de o casal não reunir recursos mentais para viver e elaborar a dor que advenha dos riscos obstétricos, sociais e culturais, e não ter um suporte relacional, familiar forte, acolhedor que possa contribuir para a contenção da angústia e elaboração da tristeza.

Um outro dos risco é quando se  elege uma “gravidez” como sendo de “risco”. Muitas vezes isto é feito sem que o risco obstétrico se diferencie do risco psicológico e relacional, ou do risco social e, pior sem que se pondere no modo como um e outros riscos interferem entre si.

Algumas vezes observamos jovens mães que se sentiam violentadas “em silêncio” por estarem a ser submetidas a várias consultas, exames médicos sem a necessária informação, orientação, contenção e acolhimento humano das suas ansiedades, angústias, incertezas e medos gerados quer pelos diagnósticos quer pela situação em si. Recordo-me de uma mãe que me ligou numa tarde dizendo “Dr. Fui fazer o teste do HIV, aqui vem reactivo o que isto significa doutor?”
Mesmo que estas mães e pais tenham vários acompanhamentos incluindo o psicológico, notámos que não existe articulação entre as várias especialidades intervenientes no atendimento e acolhimento da jovem mulher grávida – sendo por isso muito difícil de se trabalhar efectivamente os vários riscos (psicológico, social, relacional, etc.).
Algumas vezes, as dificuldades obstétricas têm um significado cultural que exacerba a dor e temos aqui a cultura como reforçador da angústia e debilitamento da auto-estima dos Pais. A cultura ao invés de fornecer o suporte necessário para uma vivência da gravidez o mais saudável possível, surge como condenador por excelência – “o bebé nasceu assim porque vocês portaram-se mal durante a gravidez”. “Engravidou – têm que casar” – mesmo que não queira e não existam condições relacionais para tal.
As regras sociais e culturais, no lugar de protectoras, alimentam a confusão e culpabilidade quando interpretam o significado da circunstância obstétrica como sendo um castigo divino pela “inconduta” dos pais – o que ajuda na desorganização da jovem mãe e perpetua o sofrimento. Fazemos estas anotações com a noção de que as vivências de maternidade e paternidade constituem um desafio difícil e complexo, mas também um dos mais importantes da comunidade humana.
Diríamos de forma geral que o risco, nestas situações deve ser considerado em termos de uma fonte de stress capaz de afectar de modo adverso os padrões de interacção familiar dos quais depende o desenvolvimento da criança. Os pais, nestas circunstâncias têm a tendência de buscar “outras” alternativas de “cura”.
Como postulamos acima, o risco não é apenas da criança, mas também dos pais. As situações de risco são das mais variadas: maturidade adulta, dimensões psicológicas e psicopatológicas, funcionamento psicológico dos pais, vivências anteriores e traumas psicológicos, situação familiar, relacional, social e espiritual.
Assim, maternidade na adolescência, falta de cuidados parentais (ex. Monoparentalidade) podem colocar a tríade (mãe, bebé e pai) e a gravidez  em risco.
Outras, incluem situações específicas relacionadas com deficiências cromossómicas (ex. Sindrome de Down), problemas neurológicos (ex. Paralisia Cerebral), perturbações atípicas do desenvolvimento (ex. Autismo), danos ao nível do sistema nervoso (ex. Deficiências sensoriais), doenças crónicas (ex. fibrose quística). Algumas envolvem complicações perinatais (ex. Asfixia perinatal, ou prematuridade), doença mental da mãe ou do pai (ex. Depressão), doença física da mãe (ex. Seropositividade), abuso de substância no período pré-natal, com ou sem abuso após o nascimento (ex. Toxicodependência).
Temos constatado algumas consequências destas situações de risco para os pais e bebé que passam pela ansiedade e depressão face ao diagnóstico de uma doença; sofrimento associado à falta de informação e incerteza sobre a saúde e desenvolvimento da criança, e sobre como devem actuar; conflito ou mesmo desagregação familiar, isolamento social e estigmatização; sobrecarga financeira, das rotinas familiares e dos cuidados parentais; ameaças à confiança parental; finalmente a própria qualidade das interacções sociais, dos cuidados didácticos e nalguns casos até dos cuidados básicos está em risco – só precisamos de algum espaço e tempo para perceber e trabalhar estes aspectos junto aos pais.
Continua....

Rómulo Muthemba
Psicólogo Clínico

3 comentários:

  1. Quero de antemão, parabenizar o Dr. Rómulo Muthemba, pelo trabalho que tem vindo a realizar a nível social. Na verdade, a mudança de atitude depende necessariamente da actuação de cada profissional como ser existencial. Tenho vindo de facto, a aprender imensamente nas suas abordagens. Parabéns Dr. e desejo muito sucesso na sua carreira profissional. Ademais, gostava de ter os seus contactos para efeitos de comunicação em caso de necessidades.

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  2. http://www.jornalnoticias.co.mz/index.php/opiniao/62878-inteligencia-emocional-no-ambito-academico.html

    Este artigo, 'e para efeito de criticas caso receba. 'E da minha autoria. Obrigado pela atencao

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