terça-feira, 9 de agosto de 2011

A Maternidade posta à prova na Adolescência: Subsídios para a Saúde Materno-Infantil ( parte 1 de 3)

por: *Rómulo Muthemba

Parte I: Maternidade e paternidade (Precoce).

A nossa humilde prática clinica e experiência na organização dos serviços de Saúde Mental, têm nos motivado a questionar sobre a realidade das nossas práticas ao nível da saúde mental e, fundamentalmente o “potencial” de apoio que poderemos emprestar aos outros ramos da saúde.
Ocorre-me agora a área da  saúde materno-infantil, principalmente nesta fase em que se avulumam dizeres sobre a necessidade de humanização dos cuidados de saúde numa área sensível da atenção à mãe e ao bebé. Referimo-nos não aos aspectos meramente “consensuais”(?) relacionados com os cuidados obstétricos (médicos), mas àqueles que julgamos igualmente importantes e que passam necessariamente pelas dimensões relacionais – do cuidar e não apenas do tratar.
A saúde mental deve estar alinhada com os outros ramos da saúde porque “no health without mental health”(Serraceno, 2010).

Este é um pequeno ensaio, reflexões não amadurecidas que pretendem evidenciar a necessidade de se estabelecer uma postura interdisciplinar na área da saúde. Tencionamos chamar a atenção e abrir espaço para uma abordagem que permita ir para além das atitudes egocêntricas que alimentam narcisismos científicos na área da saúde e da ciência no geral.

Originalmente, escrevemos este pequeno ensaio a pedido de um grupo de jovens que pretendia publicá-lo no “cadernogiro” – uma ideia interessante. E, por ser um jornal para os jovens, coube-nos também, alertar para as consequências da maternidade e paternidade precoces e sem a devida maturidade e crescimento mental – pois, é muito mais fácil fazer filhos do que ser pai-mãe. Isto exige qualidades e outro tipo de competências que ultrapassam a capacidade biológica de gerar um ser.

Não queremos entrar “exaustivamente” para as questões da juventude, HIV e Comportamentos de risco (prometemos que faremos uma discussão sobre este aspecto de forma mais pormenorizada numa próxima oportunidade). Quando se trata de prevenção na adolescência, temos “necessariamente” que ter em conta as questões da sexualidade e desenvolmivemto psico-sexual dos jovens de forma aberta, mas responsável.

Pactuamos com a ideia do Jaime Milheiro quando afirma que “só uma sociedade aberta contribuirá para Pais mais abertos, crianças mais livres, cidadãos mais decentes. A transmissão far-se-á desse modo, construindo-se simultaneamente cultura e saúde, na vida interior e exterior” (Jaime Milheiro, 2000, p. 31).
A hipótese é a de que em sociedades mais abertas, mais tolerantes e dialogantes os sujeitos gozam de melhor saúde mental.
Postulamos a necessidade de existirem “mães e pais verdadeiros”, àqueles que na óptica de Winnicot “atendem às necessidade do bebé”. São pais atentos, com capacidades pessoais e adaptativas, maturidade psicológica suficiente para entrarem em relação afectiva com os seus bebés. 
Logo, a assumpção da paternidade/maternidade na adolescência inclui “riscos acrescidos” que têm a ver com inexistência de capacidades e competências possíveis apenas em estágios de maturidade psico-sexual e afectivo-relacional suficientemente organizados para que o jovem possa exercer a maturidade e paternidade com a qualidade e tranquilidade necessária.

A pesar de o bebé vir ao mundo trazendo consigo um rol de competências comunicativas para interagir, os pais devem ser o primeiro “holding” (suporte, corpo) para “desintoxicar” os medos e angústias do bebé, transformando os conteúdos “beta” – não digeríveis pela mente e aparelho psíquico emergente do recém nascido, e fornecendo a estes “alimentos” em estado “alfa”, degiríveis pelo bebé – exemplo: a interpretação da dôr e o fornecimento do atenuante, o colo, o afecto, o seio materno  – diríamos.
Uma “mãe suficientemente boa” – na perspectiva Winnicotiana, é capaz de intuitivamente entrar em contacto com o bebé, ler e interpretar/reagir rapidamente “se o choro do bebé é de birra, dôr/sofrimento, desconforto ou fome por exemplo”.
Aqui não vale apenas a quantidade, mas como em tudo, a qualidade do colo, das palavras securizadoras, o embalo não se apreende na melhor universidade ou manual, mas nas experências de vida, que implicam a resolução de todo um percurso desenvolvimental.

Tivemos uma “mãe científica” em consulta, sabia tudo sobre a educação dos filhos, leu todos os livros de psicologia, “marias”, programas “brasileiros” do fim da tarde, informou-se, consumiu enormes quantidades de revistas e conceitos, aconselhou-se na mais pura orientação – mas, não conseguia realizar o mais importante: “entrar em contacto afectivo com o seu bebé” num movimento de “sincronia e amor” – falámos de amor como relação que propicia a movimentos de “dar e receber incondicional”. Uma relação amorosa é uma relação de gratificação e de crescimento em potência – o prelúdio indispensável para uma vida adulta sem muitos ruídos e dores mentais.

É neste jogo “intuitivo e natural” que se fundam os verdadeiros aliçerces de uma relação adulta saudável. A capacidade de amar está muito alecerçada à vivência e experiências de amor, de completude e não tanto de falta.

Na relação mãe-bebé, treina-se a comunicação, a gestão da frustração, o conhecimento do corpo e o mais importante – a relação afectiva – o dar e receber, a gratificação e o amor – verdadeiro alimento para os sujeitos, família e uma sociedade saudável. A capacidade de amar está vinculada ao facto de ter experenciado, vivenciado o amor materno-paterno.

O ser humano é um ser relacional, alimenta-se de afectos e da relação “saudável”. A ligação Pais-bebés inicia muito antes da presença física do bebé. O bebé vêm ao mundo, carregando consigo e junto dos próximos muitas expectativas o que acarreta algum medo, ansiedade, conflitos, mas sobretudo competências comunicacionais e um “ potencial” de transformar a relação dos pais e o mudo de forma “significativa”. O bebé tem o poder de transformar as relações e promover o crescimento.
A adolescência por seu turno, é um processo de desenvolvimento que acarreta crises – crises de desenvolvimento, uma fase de instabilidade que acompanha a incessante busca de identidade na rtelação com os pares. Daí as grandes dificuldades do assumir em pleno uma maternidade e paternidade, porque confrontados com os seus própios problemas existenciais.
Num processo “normal” - adaptativo, os pais idealizam o bebé – digamos que sonham o bebé. É este bebé imaginário que ocupa e alimenta algum  espaço (no psiquismo) dos Pais. Este movimento de sonhar o bebé está carregado de muito simbolismo e significado e, põe a prova uma série de construtos (dos pais, da relação e da experiências individuais, relacionais, vivências e traumas íntimos).
Os fantasmas e/ou fantasias relacionadas com o bebé, vão tomando forma em função de uma série de vivencias anteriores (sucessos ou insucessos), personalidade dos pais e, sobretudo a sua maturidade adulta – a capacidade que tiveram de elaborar as suas própias angústias e medos de modo a não as deslocarem para as vivências de paternidade e maternidade.

O bebé existe psicologicamente, muito antes de vir ao mundo. Hoje, graças as tecnologias, é possível que os pais entrem em contacto com algumas das características físicas de seus bebés, mesmo antes do nascimento. Assim, a possibilidade de adaptaçãpo dos pais ao bebé real é melhor conseguido graças a sensação de pertença e aproximação física entre o bebé e os pais.

 É neste terreno escorregadio que não se pode dar ao luxo de deixar todo um trabalho à cargo de profissionais tecnicistas, sem empatia, com déficits em competências humanas e falta de maturidade psicológica – aspectos que devem merecer atenção mesmo quando propalamos o tal desejado “rigor técnico”. A nossa função deve ser reparadora, não só das feridas físicas mas sobretudo, as  emocionais.

Bion (1963), sugere-nos que pensemos o significado das nossas relações como vínculos emocionais, que têm de ser transformadas em formas simbólicas para poderem ser pensadas, “toleradas” e comunicadas. As emoções, isto é, o impacto dum vínculo relacional num objecto, estão unidas numa resposta complexa de amor, ódio e desejo de conhecer (A, O, C). Nesta perspectiva, a aversão a qualquer tipo de emoção corresponderia, então, a uma aversão à significação (anti-significado-A, -O, -C).
Durante a gravidez a mulher vive um estado específico, a que Winnicott(1975) chama de “preocupação maternal primária”. É como se a mãe, ao longo da gravidez, se preparam (?) mentalmente para a imprevisibilidade enigmática dos seus bebés, através de re-arranjos nos seus universos mentais. Estas novas reorganizações possibilitam-lhes, certamente, uma maior capacidade empática, o desenvolvimento da capacidade de “rêverie” e conhecimento do bebé real - Muita carga para o jovem adolescente.

Nos casos de doenças crónicas desde as mal formações, eczemas, a asma, a diabetes, doenças cardíacas congénitas, epilepsia que implicam transformações profundas no modo vida, confronto com situações clínicas invasivas, a saúde não pode apenas estar a mercê “apenas” destes mesmos procedimentos clínicos. O trabalho psicoterapêutico, psico-educativo e atitudes que funcionem como função terapêutica devem incidir sobre os bebés, as famílias e, sobretudo aos pais.
Com adolescentes, postulamos a criação de unidades específicas no contexto das consultas pré-natais, de obstetrícia, ao nível da testagem do HIV, etc, em articulação com esses mesmos serviços.

Alías, Barros (1999) salienta que a maior parte dos problemas associados ao tratamento das doenças crónicas da infância e adolescência implica a necessidade de recomendações e prescrições que são mais educacionais, atitudinais e relacionais do que medicamentosas.

Para uma promoção da saúde, é preciso que a maternidade deixe de ser um processo semelhante a uma doença, se destecnocratizem alguns dos seus procedimentos clínicos excessivos, e a gravidez seja devolvida à relação e à clinica. (Eduardo Sá, 2001, p. 132). 
Continua...

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