Parte III: Contributos para uma melhor integração Smental/Smaterno-infantil:
por: *Romulo Muthemba
Parte I: Maternidade e paternidade (Precoce)
Parte II: O confronto - bebé imaginário e o bebe real
Julgamos que os profissionais da área da Saúde Mental devem trabalhar na área da saúde materno-infantil, incrementando as várias dimensões abordadas.
Devemos pensar na abordagem da gravidez e da maternidade, como uma área de humanização por excelência. Nesta área, não poderemos ter procedimentos rígidos e mecanizados, mas devemos olhar para o sujeito e não apenas para a doença. Humanizar (termo que aparece na moda nos “últimos tempos”) significa tratar e cuidar do doente e não apenas curar a doença. Isto significa que a sra A. Que está na cama 4, não pode ser a Sra. da cama 4. A Sra. A têm um nome e deve ser tratada por esse mesmo nome. A Sra. A têm as suas angústias e dúvidas em relação ao significado do diagnóstico, procedimentos clínicos e vivencias íntimas que estão subjacentes (preocupações familiares, dificuldades espirituais, dúvidas em relação aos procedimentos médicos, ao diagnóstico, etc).
Cabe o técnico, desde o servente, criar bom ambiente de segurança e acolhedor, para que esta jovem mãe/pai possam diminuir a angústia e, sobretudo, sentirem-se seguras para enfrentar a situação.
Cabe o técnico, desde o servente, criar bom ambiente de segurança e acolhedor, para que esta jovem mãe/pai possam diminuir a angústia e, sobretudo, sentirem-se seguras para enfrentar a situação.
A gravidez deve deixar de merecer cuidados exclusivamente obstétricos, e os transformemos em cuidados do âmbito de uma medicina mais familiar. Assim, é urgente que a grávida (e o pai) sejam o “consolente” dos serviços de saúde, e que o médico compartilhe a sua intervenção com as competências de equipes multidisciplinares, onde se incluam pediatras pré-natais, especialista e técnicos de saúde mental e técnicos de serviço social. Aqui, a introdução destas temáticas nos cursos básico-médios de saúde é crucial.
Igualmente, devemos assumir o planeamento da gravidez como o primeiro gesto de promoção da saúde de uma criança, com flexibilidade que permita transformar uma gravidez acidental em possibilidades, igualmente saudável, organizadora, em potência, e maturidade. Ora, perante este cenário, o papel dos técnicos de saúde mental é fundamental quando integrados nos serviços de obstetrícia, organizando e realizando: sessões de dinâmicas familiares, grupos de grávidas, atendimento psicológico aos casais, exames e avaliação psicológica e psicoterapia de apoio, mas também trabalhando com os médicos e pessoal da saúde ao nível da prevenção do síndrome de exaustão, preparando e treinando as equipas em matéria de competências psicológicas, orientando aos profissionais para o uso de melhores práticas e/ou metodologias de intervenção/acção perante casos concretos e/ou sinalizados.
A incidência do apoio aos profissionais de saúde que lidam com estas situações é igualmente benéfica, pois “os que tratam também sofrem” e, principalmente porque estão em jogo não só aspectos da obstétricos, mas também dimensões intrapessoais, susceptíveis de “contágio emocional”.
Sabemos que para profissões relacionadas com a prestação de cuidados e que impliquem relações de ajuda, o burnout constitui um autêntico desafio. Muitas vezes, algumas das atitudes desadequadas protagonizadas pelos profissionais de saúde no geral, não são senão estratégias de defesa e de sobrevivência que os distância cada vez mais dos seus doentes.
É fundamental Valorizar a informação acerca do bebé como acto médico e promover o conhecimento das crianças pelos seus pais, logo que a gravidez se traduza em movimentos percebidos pela mãe: se dinamizem visitas a maternidades, escolas, sobre temas que muitas vezes, não encontram acolhimento no contexto médico clássico. A informação escrita concisa e atraente deve ser feita de forma atraente e incluir informação familiar, pediátrica, psicológica e, por vezes, jurídica, antes do nascimento obstétrico do bebé.
Deste modo, poderemos também Incentivar que os centros de saúde acompanhem as gravidezes e que se assuma que o parto “se inicia” três meses antes das 42 semanas de gestação, por forma a que o casal possa tomar contacto em tempo útil com a maternidade onde o seu filho vai nascer, com os profissionais que zelam pela saúde mental e preparação para o parto, informação útil sobre o processo – diminuindo deste modo as angústias, o medo e “ignorância”.
Desejamos fazer com que as políticas de saúde tomem a gravidez muito para além das consultas de rotina que a prudência clínica recomenda, e que a gravidez seja um processo que vá do planeamento da gravidez ao ano do bebé, pelo menos, como forma a que a gestação de uma família acolha e transcenda a idade gestacional do bebé. Que se coloque psicólogos (treinados) nestes serviços e, tenham um papel fundamental na orientação e formação dos outros profissionais em matéria de comunicação, relações interpessoais e dimensões psicológicas.
Seria importante, também realizar o diagnóstico pré-natal: obstétrico, relacional e familiar, de modo a promover a saúde do bebé através de cuidados que, em unidades diferenciadas, os pais sintam que as instituições de saúde lhes oferecem.
O médico, técnico e pessoal da saúde devem ser o primeiro receptáculo das angústias e dúvidas dos pais e têm que possuir a capacidade e serenidade para estabelecer vínculos terapêuticos – devem ter uma função terapêutica. Os médicos que lidam com a infância e a maternidade não se devem esconder por detrás de uma máscara impenetrável (testes, laboratórios, procedimentos médicos excessivos, etc).
Devem ter a humildade de reconhecer que o paciente é apenas um sujeito que sofre e que está por isso algo fragilizado, mas não é “ignorante”, portanto se o médico está a observar também está a ser observado e, mais, está ser avaliado. Os pais utilizam muito estes indicadores para sustentar a falta de confiança nos médicos o que interfere de algum modo com a adesão à medicação e ao tratamento no geral.
Sairmos dos gabinetes e levarmos a informação à comunidade, de forma a que os sinais de problemas obstétricos e situações anómalas (violência, pobreza, carências, etc.) possam ser sinalizados e encaminhados para uma rápida actuação é uma boa forma de “tratar os problemas antes que eles ocorram”.
A família deve ser eleita como uma questão incontornável de saúde para as crianças e que se comece a tomar o feto in útero como pessoa e protegê-lo, respeitando os limites temporais previstos na lei. Parece apetecível, mais não entraremos na discussão sobre o aborto, apesar de termos ideias muito claras sobre a necessidade de se proteger a saúde mental dos pais e da criança que muitas vezes não foi desejada...principalmente na adolescência.
Por outro lado, somos pela Promoção de reformas profundas na formação clínica dos agentes de saúde acerca da gravidez e do primeiro ano de vida do bebé e follow-ups, reciclando os técnicos, médicos e enfermeiros de saúde materno-Infantil, e alargando as equipas a técnicos de saúde mental, por forma a que o diálogo dos bebés por sintomas e sinais nos encaminhe para uma mais consequente promoção da saúde das crianças e da família. Sabemos que os bebés exprimem as suas angústias e medos através de sinais próprios, somáticos e que o seu aparelho psíquico ainda carece de estrutura para suportar incoerências, agressões, falta de cuidados, etc.
A inclusão de cadeiras curriculares que privilegiam as questões relacionais, afectivas, da psicologia e humanização, podem favorecer uma melhor formação humana aos profissionais da área de saúde materna.
Na área de Saúde materno-infantil “a profissão não pode significar apenas um mero emprego”. A aposta na vocação deve ser mais rigorosa. E, aí Instituições como o CEPAEP devem poder colaborar, trabalhando nos perfis, na selecção e ao nível da vocação para as áreas de saúde. Se não, arranjemos “medicamentos” para que ao longo da formação estes profissionais possam estar sensibilizados e treinados para atender às dimensões relacionais e psicológicas em jogo.
Não esperemos pela revisão curricular das instituições moçambicanas que formam profissionais de saúde materno-infantil, mas deveremos organizar acções de formação contínua, colóquios, conferências que abarquem temáticas relacionadas com a saúde mental da criança e dos pais.
No âmbito do atendimento à criança acometida por doença, o investimento no ambiente, espaços devem merecer atenção, pois: “calada e sem gestos, mesmo que consegue sorrir, a criança doente (ou com deficiência) faz emergir o que de mais radical sentimos ou vivemos: um indignado convite à fúria e à emigração profissional por impotência” (Jaime Milheiro, 1997, p. 13).
Nos casos de doença, o seu impacto constitui uma situação de stress susceptível de ter repercussões mais ou menos graves na criança e na sua família. A organização dos serviços e os técnicos devem ter isto em consideração.
Muitas das condições consideradas de risco acima, constituem espaços de possibilidades, onde poderemos treinar e potenciar uma série de dimensões fundamentais para o desenvolvimento da criança e dos pais na esfera cognitiva, afectiva, propiciando uma boa integração de saúde, educativa e social.
Rómulo Muthemba
* Psicólogo Clínico
Versão inicial: Maputo, 10 Março de 2010 e Versão actualizada: Maputo, 27 Junho 2011
BIBLIOGRAFIA
Eduardo Sã (2001). A psicologia do feto e do Bebé. Lisboa: Fim do século Editores.
Jaime Milheiro (2000). Loucos são os outros. Lisboa: Fim do século.
Luisa Barros(1999). Psicologia Pediátrica: Perspectiva Desenvolvimentista. Lisboa: Climepsi.
Peter Blos. (1998). A adolescência: uma interpretação psicanalítica. São Paulo: Martins Fontes.
Wilfred Bion( 1963). Attention and interpretation. Oxford: Rowan Published.
Rómulo Muthemba (2010). Saúde Mental nos cuidados de Saúde Primários (relatório no âmbito do módulo II do Mestrado). Lisboa: FCM (não publicado).
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