*Rómulo Muthemba
*Psicólogo Clínico
RESUMO
Pretendemos dissertar sobre a patologia Boderline,
seus traços sintomatológicos, características dinâmicas bem como abarcar as vicissitudes
do “difícil” trabalho terapêutico com estes pacientes, tendo como base a exploração
de “um caso clínico” de uma nossa paciente e que por razões óbvias tivemos que
alterar significativamente alguns conteúdos.
Começamos por referir os múltiplos aspectos
contidos na designação “boderline”, encetando uma breve dissertação sobre as
origens do termo e seus derivados “limite”. Salientamos aspectos que nos
parecem constituir a base para a compreensão desta patologia confrontando-as e
discutindo com os principais elementos revelados e observados no caso clínico.
Socorremo-nos a autores como Coimbra de Matos
(2000) que destacam a perda e o desamparo afectivo como estando na génese da
patologia Boderline, o ressentimento, a clivagem e a projecção maçiça como
factores da dinâmica psicopatológica.
Da análise do caso, terminámos assinalando a importância
evolutiva da construção de um espaço de segredo e de confiança na cura destas
patologias, onde os factores contra-transferenciais jogam
um papel importante.
Palavras Chave: limite, angústia de separação, clivagem do self, retoma da relação
desenvolvimentista interrompida,
I. REVISÃO DE LITERATURA
1.1. conceito
É um facto de que as denominações “Boderline”
provocam polémicas e dificuldades a todos os níveis: conceptual, diagnóstico,
terapêutico e até no prognóstico médico-legal(Lohmei, 1990; Sennsore, 1991 cit.
Por Neto, I. & Dinis, C, 1994), o que leva a ser considerado “o vírus da psiquiatria” por aluguns
autores (Simmons, 1992).
Bergeret, J.(1972/1998) acreditava que o termo “boderline” foi utilizado pela primeira
vez por Eisentein em 1949, mas a evidência de que o quadro clínico não
correspondia nem a linha psicótica nem a
linha neurótica clássica surgiu muito antes dessa data. No DSM-III é introduzida
a classificação de “perturbação boderline
da personalidade no eixo II”. No CID-10 (1992) foram introduzidas as “perturbações específicas da personalidade”
– F60 – com 11 tipos. A “personalidade
boderline ou tipo limite” aparece como subtítulo da personalidade com
“instabilidade emocional”.
Actualmente, estabelece-se como
critérios para o diagnóstico da Perturbação da personalidade boderline (Gonçalves,
L. & Amorim Rodrigues, V.,1998): “o padrão global de instabilidade do
humor, relações inter-pessoais, da auto-imagem, começando no início da idade
adulta e presente em vários contextos, tal como indicam pelo menos cinco das
seguintes características:
a) padrão de relações interpessoais
intensas e instáveis;
b) impulsividade;
c)instabilidade afectiva,
d) cólera intensa e inapropiada ou
perda de controlo dos impulsos;
e) ameaças de suicídio recorrentes;
f)perturbação da identidade persistente,
g)sentimentos crónicos de vazio e
aborrecimento;
h)esforços frenéticos para evitar o
abandono, seja ele real ou imaginário(p. 141)
1.2. Psicopatologia
e psicopatogenia
Pode-se pensar na patologia Boderline ou limite
como uma patologia próxima das psicoses (Matos, C, 1994) consideradas mesmo
como psicoses menores ou periódo de latência de uma psicose.
Situa-se na linha divisória entre os dois grandes
grupos de patologias: neuroses e psicoses – constituindo, uma linha de
separação entre a personalidade Boderline e a personalidade depressiva. Ainda
Matos, C(1994) salienta a existência de um quadro clínico colorido
pseudoneurótico, aparentemente do nível da neurose: “centradas no recalcamento e reforçadas por outros mecanismos tais como,
o deslocamento, evitamento, formação reactiva, etc.”
Dada a imaturidade do ego, o boderline está também
sujeito a defesas primitivas, de âmbito psicótico: a clivagem afectiva, a
projecção identificativa, denegação da realidade, portanto, pode-se considerar
a condição boderline como uma psicose latente, não atingindo tal estado devido
a adesão à realidade.
Neto, I & Dinis, C(1994) referem a existência
nestes pacientes, de um deficiente controle dos impulsos, baixa tolerância a
frustração com tendência à passagem ao acto. A este quadro, Pereira, F.(1994)
acrescenta outros sintomas como angústia difusa e flutuante, reacções
dissociativas ou despersonalização, tendências
paranóides e hipocondríacas, fundo depressivo ou vivências depressivas
manifestas.
Tal como outras patologias mentais em que a
organização relacional joga um papel importante no seu surgimento e
desenvolvimento, a angústia de separação
com o objecto é uma das manifestações importantes. Na perspectiva de Neto, I
& Dinis, C(1994) o boderline se encontra num Self frágil, defeituoso e se
estruturou com distorções ou não atingiu a coesão necessária. A clivagem está
omnipresente (Pereira, F.1994), impera uma incapacidade de coexistência entre o
bom e mau objecto.
No boderline, “o
único fenómeno (apresentação) estável é a instabilidade” (Matos, C., 1994).
A instabilidade é típica nestes sujeitos, invadindo toda a vivência no amor,
humor, nas relações interpessoais. Perante o facto de possuirem um self poroso(frágil),
utilizam a omnipresença da identificação
primitiva do objecto, não existindo solicitude objectal, mas sim uma pura e
simples utilização do objecto. O sujeito boderline não pretende amar o objecto,
mas sim controlar o objecto idealizado.
“ São
sujeitos tudo ou não são nada porque não
suportam ser apenas alguma coisa” (Pereira, F. 1994, p. 37).
A patologia Boderline é portanto uma patologia não
do ter, mas do ser. São sujeitos que exigem relações ideiais, objectos ideiais
e por isso mesmo, não são capazes de sustentar qualquer relação – talvez a
analítica porque o objecto ideial não existe em si mesmo, mas apenas como parte
projectada e posse, propiedade do sujeito.
II. MÉTODOLOGIA
2.1. estudo
de caso
O estudo de caso é uma metodologia ou opção que se associa
aos diferentes métodos de investigação existentes. Na área clínica e
psicodinâmica, os estudos de caso desempenham um importante papel no suporte às
teorias existentes, bem como na refutação das mesmas. Um dos princípios de
refutação científica refere que basta um elemento de informação a contradizer
uma teoria para que esta seja colocada em questão.(Isodoro Ferreira, A.2010,
p.33).
2.2. descrição do caso
Há algum tempo atrás, começámos a observar a paciente
que iremos chamar de Maria, 38 Anos, nasceu em Maputo e foi empregada
de bilheteira (actualmente exerce outras funções numa firma reputada). Foi encaminhada para a nossa
consulta por um médico internista. Num
primeiro contacto apresentou queixas relacionadas com: “... dificuldade de adormecer,
angustia pela relação com o namorado, nem triste nem contente, sensação
de vazio, falta de vontade e desinteresse por tudo Dr”.
Faz parte de
uma frateria de 9 irmãos: 4 rapazes, ela é a primeira rapariga, depois há outra
rapariga e mais 3 irmãos mais novos (é com estes mais novos que vive a mãe).
Diz que a mãe quer adoptar um bebé, porque os filhos já estão crescidos.
Relativamente ao desenvolvimento precoce,
não sabe se foi ou não desejada. Diz com orgulho que a mãe teve-a “sozinha”, Conta
que foi muito feliz até começar a guerra, viu muitas pessoas a morrer à sua
frente, tinha ela 8 anos.
Um ataque militar obrigou-a fugir juntamente com a
irmã e perderam-se da família. Ficaram 2
meses sem saber nada dos pais (se estavam vivos ou mortos).
Mais tarde encontra a família e adoeceu muito: “ouvia e via coisas, entrava facilmente em
crises” de pânico. Em 1985 foi para o exterior do País, a partir daí a vida
decorreu naturalmente: “...não senti
muita diferença”. Contudo, teve que regressar a moçambique 5 anos depois,
para tratar assuntos da família ( “tradicionais”).
Aos 16 anos desiste de estudar e vai trabalhar. “Não gostava da escola e preferia ficar em
casa a ajudar a mãe”. Quando queria sair de casa a mãe ficava chateada e
diz que quando que foi para outra Província viver sozinha, a mãe ficou
detestável.
Alguns
aspectos salientes da sua História actual: Vive em casa do namorado desde há dois anos,”para cuidar dele” porque “estava
perturbado” (após ter ficado em coma).
No início ela adorava-o, agora diz que “ele é
horroroso, trata-me mal Dr”.
Refere que se mantêm lá em casa, por causa da mãe
dele. Ela chama-a “mãe”, é como uma
mãe para ela, aliás a mãe dele toma o partido dela. A sogra era prostituta e o
namorado não faz nada. Quando saia de casa zangada, ía para a discoteca e
dormia com outros rapazes (esteve metida nas drogas), mas nunca se arrependia e
voltava para casa. “Sempre fiz as coisas
sem pensar Dr”, (é muito impulsiva). Fuma
“suruma” ás escondidas do namorado, e justifica-se: “Mas, também ele já não me apoia”, refere, “só o Sr.
Dr....Não sei o que seria da mãe dele sem mim”. Era incapaz de fazer uma
coisa dessas” (sair de casa).“Qualquer
dia vou para a A. Sul, mas sou uma fraca
e não consigo fazer nada”.
Fez uma tentativa de suicídio cortando os pulsos,
há cerca de 2 anos, e refere ideação suicida recorrente devido a um sentimento
de aborrecimento crónico.
Alguns dados Clínicos relevantes: Após a primeira consulta, a paciente
alterou o estado de ânimo, desapareceu a sintomologia depressiva (após
indicação para psiquiatria e medicação).
Mostrou receio face ao facto de não ter assunto
sobre o qual falar nas próximas consultas “já
falei tudo Dr”. Após uma interrupção a sintomalogia voltou a aparecer, ela atribui
isto ao namorado. Não consegue distinguir os sentimentos em relação ao
namorado: ou ama ou odeia.
aparece com uma tia avó a consulta.
Ainda na primeira
sessão conta a ruptura que decidiu fazer, tendo ficado “muito triste”, mas namorado ficou indiferente. Pensa que está
grávida, mas “quero ficar só com o meu
filho só para mim”.
Na 6ª sessão leva uma rosa ao terapeuta,
porque “o Dr. Ajuda-me muito”.
Diz que se sente melhor, dá-se melhor com os amigos.
Quer um espaço só para ela, sozinha sem namorado. Sente-se bem, mas quer
prolongar a terapia por mais 3 sessões.
Nas 3 sessões previstas ela falta a consulta e quando regressa diz ter um novo namorado e sente-se mais feliz
que nunca.
A pesar do seu brio intelectual, refere
problemas frequentes no trabalho, por agressões verbais sempre que contrariada
e minimiza alguns dos problemas com o álcool durante o horário de trabalho
referindo que “ninguém ficou prejudicado por isso”.
III. ANÁLISE E DISCUSSÃO DO CASO
São visíveis as grandes dificuldades de separação,
angústia forte e ansiedade. A paciente
revela uma grande necessidade de estabelecer uma relação fusional (daí o facto
de querer ter um filho só para ela, tal como a mãe) - A mãe também ela com tendências simbióticas.
Aos 8 anos, perante uma separação forçada dos pais,
não sabia se voltaria a ver os pais – reflexo da angústia de morte que vai ter traduções na sua
vida adulta.
Ela psicotizou: teve alucinações, ouvia vozes e via
coisas. - fundo psicótico reactivo (a guerra tem traduções na realidade) pois pode
significar um traumatismo mais grave no desenvolvimento - angústia de morte é muito
real aqui e não vinculada apenas a fantasia.
A Mãe que tem uma dualidade, por um lado simbiótica
ou indiferente, ela tem de facto uma
relação vinculativa com a mãe (esta não se importa que a filha deixe de estudar
só para ficar com ela) então a Maria teve que fazer uma ruptura brusca – com o traumatismo
psíquico daí decorrente.
O pai não aparece no discurso dela – “não se preocupa”. Matos, C(1994) chama a
atenção para o facto de a carência paterna vir a reforçar a simbiose materna. O pai ausente ou
indisponível afectivamente favorece a dependência infantil dos filhos, o pai é,
portanto um elemento importante na diferenciação, algo que não acontece com a
nossa paciente.
Uma mãe que ora é apelativa, ora é indiferente. Quando
ela decide romper, ela perde, porque a mãe fica diferente para ela. Daí que ela
sinta que tem que ser uma “boa samaritana”,
mas também “perde o controlo e envolve-se
“com outros homens por aí”.
Há uma dinâmica projectiva intensa: ela
procura pessoas perturbadas e por identificação projectiva coloca nessas
pessoas as partes de si perturbadas e quando cuida delas é como se cuidasse
dela mesma (“quando eu abandono, eu
sinto-me abandonada”).
A ruptura, a separação dos pais, reforçou a
angústia da perda do objecto, que é a angústia de morte. O conflito não é
intra-psíquico (neurótico), é um conflito universal (todos nós temos): é a
ambitendência - quanto mais temos desejo do outro, mais medo temos de nos
aproximar dele. Maior é o perigo da ameaça de perder, porque perder significa
morrer. Aqui, neste caso, a ambitendência é agravada.
A paciente mostra pouca tolerância à dor e por isso
defende-se (medo de perder aquilo que se gosta e a quem nos vinculamos).
A agressividade projectada, está no sadismo do
namorado e está no próprio meio (meio agressivo) - não tem acesso à expressão
da agressividade nas relações dela. Em parte, também está uma tentativa
neurótica de apagar as coisas agressivas vividas (guerra) - agressividade
recalcada.
O conflito está: ou é vivê-la (a agressividade), ou projecta-a ou remete-a para o
inconsciente.
Sente medo de perder e magoar os outros, no
entanto, resolve as coisas muito rapidamente – impulsivamente, diríamos. Achamos que está muito dependente e com angústia de perda do objecto: perda do que
não têm ou julga não ter – amor incondicional.
Julgamos que a depressão é do vazio, do deserto
(não é neurótica, é uma depressão mais próxima da depressão psicótica). O vazio
é sentido como muito mau, como se pudesse perder e não voltasse.
Do ponto de vista das defesas mais primárias
reina a: identificação projectiva, clivagem: bom / mau (namorado) e idealização que coexistem com outras
defesas mais estruturadas: recalcamento
e deslocamento
O agir dela
é uma incapacidade em medir o desejo e a realidade pelo pensamento
(incapacidade de conter e pensar as emoções), daí a impulsividade e “os problemas relacionais no serviço”.
O seu self frágil carece de coesão - o seu interior está muito dependente do
exterior. Não interiorizou na relação precoce um objecto seguro, que fique
dentro dela como um bom objecto, portanto, está dependente do outro.
A mãe ora pulsional ora indiferente não foi um bom
objecto e o namorado é um objecto de adesão. Há adesão ao objecto por
necessidade e não por desejo.
Relativamente ao Super Eu genital, o
conflito é mais do tipo da relação a dois (não se preocupa com a
triangularidade), ter alguém que cuide dela.
O facto de ter levado uma rosa ao terapeuta “porque o Dr. Ajuda-me muito” é
significativo pelo facto destes pacientes ora tentarem levar o terapêuta a
reagir como outrora se sentiram tratados pelos pais, ora tratam o terapêuta
como sentiram ser tratados, utilizando poderosos mecanismos de projecção e
identificação projectiva, comportamentos inadequados, passagens ao acto e
hetero-agressivos, carregados de intensa
manipulação. Ora são vítimas, ora seduzem ora se fazem detestar.
Do Ponto de vista de Hipóteses diagnósticas:
chegámos a Patologia Border-Line onde vislumbramos os principais aspectos bem
marcados:
· Dependência do objecto sem intensidade relacional
(muda novamente para outro objecto);
· Reparação do objecto - agressividade não estruturada
porque tem medo de destruir o objecto;
· Como está confundida com essas pessoas, sente-se
abandonada e abandona;
· O objecto como decepciona, ela muda para outro
objecto;
· Entra numa posição maníaca;
· Angústia de aniquilamento - sentir-se abandonada ou
separada de alguém é nitidamente perigoso;
· Dependência mais adesiva - relações bidimensionais;
· Tem a necessidade de estar sempre a agradar porque
não se sente segura ( o dar têm valor de compra do afecto);
· Há ainda um fundo depressivo.
IV.
CONCLUSÕES
4.1. Psicoterapia
analítica
É sobre relação
analítica estabelecida com a paciente que tentaremos explicar a dinâmica dos
estados limites, recorrendo sempre aos fundamentos teóricos para a sua
explicação.
A pesar de ser no “aqui e agora” da relação
terapêutica que se podem desenhar movimentos relacionais reveladores do sujeito
e da capacidade de compreensão e empatia do clínico, já é necessário sair do
“aqui e agora” para explicar a trajectória individual que levou o sujeito a
problematizar-se no regime limite.
Segundo Pereira, F(1994) “é no espaço terapêutico que poderá vir a organizar-se aquilo que não se
organizou há seu tempo – e organizar-se na realidade da relação e não no mito
da construção analítica”(p.41).
Perante as falhas da função protectora – mais
precoce - a nossa função reparadora incidiu na reavivar do período simbiótico infantil, trabalhar as
falhas originadas pelas carências sistemáticas (abandonos frequentes,
drásticos) vividos na infância.
Foi possível na “relação terapêutica”, recriar e trabalhar
em conjunto, o mundo relacional dos seus objectos internos. Utilizou-se
procedimentos técnicos, mais com o objectivo de restaurar o narcisismo e
corrigir as distorções transferenciais através da “elaboração circular,
repetitiva das projecções sucessivas sobre o terapêuta das unidades parciais de
relação gratificantes e rejeitantes” e a sua interpretação induziu a autonomia e a possibilidade de continuidade
de retomar o desenvolvimento interrompido.
Mas esta aliança activou rapidamente a “unidade parcial
relacional rejeitante” sentindo-se a paciente má e culpada, projectando sobre o
analista a raiva – “o dr. Faltou a
consulta da semana passada, quer me abandonar, é igual aos outros homens...”.
Usámos nestes casos e, com bons resultados a interpretação ao que se seguiu a
idealização do terapêuta e activação da unidade relacional gratificante.
Aos poucos a paciente foi-se recordando de factos e
afectos que foram clarificando a génese da raiva. De modo gradual, a paciente foi-se apercebendo do mecanismo
repetitivo da clivagem e projecção e tomou a consciência de como são
patológicas as unidades relacionais introjectadas.
O trabalho psicoterapêutico com pacientes Boderline
é difícil, como pudemos testemunhar com esta paciente que manifestou
inicialmente reacções agressivas face às interpretações correctivas dos
movimentos transferenciais – a paciente não suportava e reagia com raiva
dificilmente controlável.
O que tentámos fazer nestes casos foi elaborá-la e
devolvê-la descodificada, revelando-lhe o significado oculto: o de desesperados apelos de amor. Procuramos
ser autênticos em todo este processo de ajuda. Como dizemos na clínica a autenticidade e a
verdade são os vectores da mudança – a verdade às vezes doí, mas têm um
potencial curativo, se bem trabalhada.
Com o prosseguir das sessões
bi-semanais houve um reanimar e
engrandecer do self, a paciente melhorou bastante ao nível da diferenciação e o
sentimento de abandono desmorronou-se, mostra-se mais segura na sua existência
no interior do objecto amado (houve uma separação real com o namorado), a
autoconfiança e confiança no outro tornam-se uma realidade.
Paciente inicia, depois de cerca de 1
ano uma nova relação amorosa, mais sólida e com confiança. Salientamos a capacidade de “espera”, antes impensável
devido a impossibilidade e necessidade de preencimento do vazio “a qualquer custo”.
Outra das dificuldades em lidar com o trabalho com
a paciente prende-se com a necessidade de mudar de objecto com alguma
facilidade e perante casos de insatisfação, as suas escolhas objectais são
precipitadas e instáveis o que pudemos constatar veemente no contexto clínico.
Reagimos a esta zanga e insatisfação com
disponibilidade para “estar” e elaborar e devolver. Assim, a angústia de
separação e o desamparo que afligia a nossa paciente foram-se extinguindo,
dando lugar a uma segurança interior mais íntegra fruto desta nova relação
transformadora com o analista. O que fizémos foi “apenas” fornecer o nosso
“holding” correctivo, criando um espaço de intimidade e segredo.
A relação terapêutica deve a nosso ver ser encarada
como uma relação humana em que impera a verdade, com boa presença emocional –
uma relação autêntica.
Fruto desta relação, o objecto interno outrora
débil e instável começou a adquirir volume, peso, constância e vivacidade. “O
mundo interior povoa-se e o palco da fantasia anima-se” (Matos, C. 1994, p.
21).
Igualmente, o que jogou a favor da relação foi o
nosso própio exercício contínuo para treinar a “capacidade de empatia”. Usámos a
empatia como o nosso instrumento de eleição de análise; paciência, impavidez,
tolerância e espera, o que possibilita uma transferência serena, não intrusiva
e promotora do desenvolvimento.
Perante a complexidade dos traços sintomatológicos
e suas características dinâmicas, a patologia limite exige um trabalho
terapêutico persistente e longo, sereno e consequente”.
V.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Victor Amorim e Luisa Gonçalves (1999). Patologia
da Personalidade. Lisboa: Gulbenkian
Esta frase "o que jogou a favor da relação foi o nosso próprio exercício contínuo para treinar a “capacidade de empatia” reveste-se de uma importância capital para todo o psicólogo que esteja a iniciar a sua carreira mas, e acima de tudo, para o que se encontram na área há algum tempo.
ResponderEliminarMostra-nos, a meu ver, a oportunidade de engrandecimento que todos os "casos dificies" nos proporcionam e também lembram-nos a importância da humildade e disponibilidade para aprender sempre. Este aprimoramento ajuda sobremaneira em prol do desenvolvimento individual de quem procura os nossos serviços. Sem isso, tornar-nos preguiçosos, vaidosos, vazios.
Obviamente, esta necessidade e disponibilidade de aprender continuamente não deve tornar o processo seu refém sob pena de o perverter.
Escusado será dizer que o texto todo eh um aprendizado. Obrigada, Ana
Parabéns pelo artigo. Excelente ligação entre teoria e clínica. Muito obrigado Rómulo. Nuno Faleiro Silva
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